terça-feira, 6 de setembro de 2011

ESTRADA, AO SUL

imagem: Robert Frank



Era uma estrada de silêncio,


espécie de porto onde pode a pele


rasgar do horizonte o leme das feridas


as cúpulas das cicatrizes,


e então encontrar a resiliente ruína,


esse vazio de náufrago vertido na página


em que houvesse o poema desertado da harmonia.


Uma estrada nascendo da poeira,


da pura ciência das cinzas,


onde os nomes eram percutidos pelos martelos do esquecimento,


prévios ao modular-se da vida pelos sulcos da manhã


ao mar virados, ao aoitecer das âncoras.


Era uma estrada de silêncio


a desfolhar-se na locomoção dura das horas


como se em páginas pronunciadas pela verbal cal do vento,


nela emudeciam as rosas e o vinho


como se morresse o seu eco


muito rente ao descaminho minucioso dos dedos.


Como nela envelheciam os frutos e as fogueiras,


como nela se extinguiam os emblemas das flutuações da água


que empurram as palavras para o coração da cor


e, liquidamente, do ardor do alento.


Nela porém o poema ousará o crime de erigir novas cicatrizes,


descuidando do clamor dos astros e das direcções amantes,


porque o poema debate-se nas cinzas


opera vagarosamente,


move as suas mãos mandibulares ao longo da letargia,


ao leme da sabedoria do silêncio,


lábio que tremula.


luís filipe pereira