terça-feira, 6 de setembro de 2011

ESTRADA, AO SUL

imagem: Robert Frank



Era uma estrada de silêncio,


espécie de porto onde pode a pele


rasgar do horizonte o leme das feridas


as cúpulas das cicatrizes,


e então encontrar a resiliente ruína,


esse vazio de náufrago vertido na página


em que houvesse o poema desertado da harmonia.


Uma estrada nascendo da poeira,


da pura ciência das cinzas,


onde os nomes eram percutidos pelos martelos do esquecimento,


prévios ao modular-se da vida pelos sulcos da manhã


ao mar virados, ao aoitecer das âncoras.


Era uma estrada de silêncio


a desfolhar-se na locomoção dura das horas


como se em páginas pronunciadas pela verbal cal do vento,


nela emudeciam as rosas e o vinho


como se morresse o seu eco


muito rente ao descaminho minucioso dos dedos.


Como nela envelheciam os frutos e as fogueiras,


como nela se extinguiam os emblemas das flutuações da água


que empurram as palavras para o coração da cor


e, liquidamente, do ardor do alento.


Nela porém o poema ousará o crime de erigir novas cicatrizes,


descuidando do clamor dos astros e das direcções amantes,


porque o poema debate-se nas cinzas


opera vagarosamente,


move as suas mãos mandibulares ao longo da letargia,


ao leme da sabedoria do silêncio,


lábio que tremula.


luís filipe pereira

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

AS PONTES

(Imagem: van Gogh)



sei que persiste a mudez igual a um país de pedra


sei que a solidão é feita de folha persistente


mas invento extravagantes estacas

a fim de amparar a água fala a fala



sei que os muros visitam a viuvez das madrugadas

sei que espadas iluminam a extensa cegueira do meu corpo

sei que são de sangue as grades como um grito de socorro


mas construo hieróglifos de claridade

para nomear as hélices de ubíquos navios



sei que soam estrondos de balas sob o sono dos braços

sei que se despenham caminhos entre dedos cansados

sei que a morte tem ameias como aranhas aprazadas

sei que as gaivotas se submetem aos carações de granizo


mas escrevo lábios e punhais flores e faluas fomes e pulsos

para que me iluminem as pontes

e nelas beba os lúcidos líros em que fremem os barcos

entre mãos mansas e abertas


sei do avanço do tempo e do sal sobre o torso da tristeza

mas iluminam-me as pontes que invento
em verbos onde jorram varandas janelas
na altitude do amor
no sem resto das lâmpadas livres

pois se reergo pontes é para respirar

luís filipe pereira