sábado, 27 de setembro de 2008

IMAGEM: GIACOMETTI, L'HOMME QUI MARCHE SUR LA PLUIE/1948: CHUVAS DE IR




Declinam em gotas os teus passos?
Tu conhecias as casas habitadas pelo som das chuvas. pelo ruído das lágrimas onde o choro de quem se ergue torna mais subtil o som das águas. tu erguias-te e as agulhas do teu sangue limpo cosiam as agulhas dos pinheiros. querias atingir o mais longínquo.
Vejo-te no espelho deste vidro. vejo-te subir o estuário das ruas e da noite: és barco de água parada na brusca aceleração do espaço em que estagnam as esculturas.
Tu descobrias nas paredes das casas um fio de água como um fio de tempo e por mais passos luminosos que escorressem numa perseguição de anzol tu sentias como a vida se entorna veloz e inteira sobre uma folha de aço. tu vias a fosforescência das células em tantas células sobrepostas. as reproduções de ti próprio modalizadas por rectângulos de nitrato de prata.
Se te ergueres acaso grita a mudez do teu retrato?
Tu aprendias com as sombras. com os seus estilhaços. não tapavas a cabeça para recompores a sombra conhecida da ácida solidão dos corredores percorrendo-te até ao fim do mundo. até ao fim das chuvas manchando de aragem os pinheiros. só o vento te esticava as pálpebras e os braços nessa vigília das chuvas. no entanto caminhavas.
Para que chuvas de ir rumam os teus passos?
vejo-te no meu pensamento quando desvio os olhos do vidro. nele esgueiras-te e desandas e nada perguntas do que de mim se extingue na superfície do espelho. no meu pensamento há um pinheiro pesando-me de verdes desabrigos e chamo ir a esta janela virada para ti enquanto os meus olhos tracejam o modo de delimitar esta chuva. este rastilho de água a continuar a negra sede
do homo erectus?

luís filipe pereira






segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Já nos escaparates, Revista Umbigo/setembro, com ensaio meu sobre livro de Rui Nunes: eis um excerto breve

Título: Ofício de Vésperas de Rui Nunes ou nas Antevésperas de Deus (por Luís Filipe Pereira)
"O que mais surpreende neste Ofício de Vésperas é o carácter prévio da visão relativamente à palavra e ao seu trabalho de nomeação. Trata-se de uma visão que frequenta, sem concessões nem paliativos, uma "paisagem convulsiva" (Relógio D'Água, 2007, p.42), que é a que sobra dos lugares de abandono abertos pelo não-lugar de Deus. Uma visão que acompanha a voz do escritor, mesmo se essa voz se transforma num irreparável grito inarticulado: "do mundo dos lábios, a separação do olhar de Deus" (p.11). É então desta separação, a negro no original, que resulta, de forma diferida, o olhar de Rui Nunes como um olhar, irremediavelmente, separado. A travessia das múltiplas vésperas - da infância, do luto, da neve, do fuzilamento, etc. - que este livro propõe é comparável a uma funda experiência de constantes estilhaçamentos, pois o sujeito enunciador como que grita desde um sítio onde se perde - e, com ele, nós leitores - até um sítio de não se encontrar."..................................................servem as reticências para convocar-vos, em primeiro lugar, à leitura do excelente livro de Rui Nunes, em segundo, à aquisição da Umbigo e à umbilical predação das suas in-tensas matérias, incluindo o prolongamento deste meu Ensaio, hic et nunc , apresentado para os generosos intertextuantes deste blog nestas breves pinceladas, bem como da belíssima ilustração de Mónica Santos (a quem agradeço) que, acompanhando o ritmo do texto, é um eco visual dos diversos estilhaços coligidos no Ensaio.
luís filipe pereira

domingo, 14 de setembro de 2008

PARABÉNS ANTÓNIO RAMOS ROSA (felicito também os demais distinguidos de inexcedíveis méritos)


12-09-2008
Eduardo Lourenço, Óscar Lopes, António Ramos Rosa e Manuel Alegre distinguidos
A Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) anunciou hoje a atribuição da sua Medalha de Honra aos ensaístas Eduardo Lourenço e Óscar Lopes, ao poeta António Ramos Rosa, além de outras personalidades da vida portuguesa, como Paula Rego, Júlio Pomar, António Manuel Baptista e Mário Soares.
A SPA considerou que estes autores merecem a distinção "tendo em conta a inquestionável relevância e representatividade da sua obra" e indicou que a data da entrega será anunciada em breve.